Direito a voto, autonomia sexual e reprodutiva e participação ativa na sociedade como trabalhadoras – estas foram algumas das conquistas femininas do último século no Brasil. Entretanto, ainda há uma lacuna profunda que impossibilita a equidade de gênero entre homens e mulheres. De acordo com relatório divulgado em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU), caso os avanços se mantenham no mesmo ritmo, ainda serão necessários 81 anos para se alcançar a paridade de gênero na economia e 50 anos para a igualdade na representação parlamentar. O relatório avaliou a questão em 167 países.
Com o intuito de acelerar esse processo, agindo diretamente no combate de todas as formas de discriminação de gênero, o Ministério da Cultura (MinC) tem lançado uma série de ações pontuais e, em 12 de novembro de 2015, instituiu o Comitê Interno de Políticas para as Mulheres e do Gênero. A primeira reunião do órgão será neste mês de março, em função do Mês da Mulher. O colegiado, que reúne nomes de diversas secretarias e vinculadas do MinC, deverá se articular internamente com os diversos órgãos governamentais e também com a sociedade civil.
“Discussões sobre o machismo, o patriarcalismo, o assédio, o direito ao aborto e a representação feminina na política tomaram as redes sociais em 2015. São questões que vêm ganhando espaço já há algum tempo, mas que, nos últimos meses, se tornaram muito evidentes”, destaca a secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural do MinC, Ivana Bentes. “O que era uma questão de gueto, transformou-se em uma discussão de toda a sociedade brasileira. Essa movimentação tornou clara a defasagem das políticas públicas em relação ao protagonismo feminino. O Comitê de Gênero nasceu justamente com este objetivo, o de discutir e elaborar políticas de gênero, no nosso caso especificamente no âmbito da cultura”, explica.
De acordo com a secretária, a presença de mulheres se dá em todos os campos da cultura, fator que deve ser refletido pelas ações e programas do ministério. “A visibilidade e a representatividade são ações afirmativas que podem ser implementadas desde já. A questão de gênero é transversal, o que permite que todas as ações do MinC possam refletir esse cuidado. Podemos inserir a questão de gênero em todos os nossos editais, como também garantir que as mulheres sejam representadas e tenham voz em rodas de conversas, seminários ou qualquer evento promovido pelo ministério”, afirma.
Formação de valores
Apesar de não tratar especificamente da questão de gênero, os programas desenvolvidos pela Secretaria de Educação e Formação Artística e Cultural (Sefac) do MinC têm relevância ímpar na mudança cultural necessária para a igualdade de gênero entre homens e mulheres. “O nosso trabalho lida diretamente com a formação de valores. A presença da arte e da cultura nas escolas e no processo formativo do ser humano de modo integral tem a potência de incutir novos valores a novas gerações”, aponta Juana Nunes, secretária responsável pela pasta. “O nosso trabalho tem sido tornar a escola um espaço plural por meio de um processo de convivência com a diversidade, da primeira infância até a universidade. Isso permitirá que esse ser humano se enxergue como um processo maior para a promoção dessa igualdade”, completa.
Juana acrescenta que os programas Mais Cultura nas Universidades e Pronatec Cultura são fundamentais para o empoderamento das mulheres. “Hoje, as mulheres já são maioria nas escolas e universidades. Como explicar então os salários menores quando comparados aos salários dos homens? Na minha humilde opinião, isso acontece porque as mulheres dão a luz. O cuidado que elas têm com seus filhos fazem com que o mercado as coloque em uma situação de inferioridade”, avalia. “Sem creche, sem escola integral e a garantia de acesso à educação e ao mercado de trabalho, não há possibilidade de essa mulher ter uma vida saudável no mercado de trabalho e ocupar mais espaços de poder”, completa.
Para a presidenta da Fundação Cultural Palmares, Cida Abreu, a cultura tem sido um palco fundamental para o posicionamento e autoafirmação das mulheres negras. “No campo da cultura afro-brasileira e nas religiões de matrizes africanas, é de destaque o papel das matriarcas. É inegável, porém, as dificuldades impostas às mulheres negras, não apenas no âmbito da cultura, mas na sociedade de modo geral”, afirma. “Quando falamos de machismo e de racismo, por exemplo, passamos pelas manifestações de dominação e limitação da mulher negra. O mundo cultural, entretanto, sempre foi um local de afirmação dessas mulheres. Se considerarmos que arte é um dom, não podemos então falar que determinada mulher não é boa no que ela faz. E isso é de extrema importância para essa população”, diz.
Cinema de Mulheres
A partir do dia 23 de março, a Secretaria do Audiovisual do MinC promoverá a Mostra Edital Carmen Santos – Cinema de Mulheres e Filmes Convidados, no cinema do Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília. A mostra é resultado de um edital homônimo realizado em 2013, que teve como objetivo o apoio a obras audiovisuais cuja titularidade e direção fossem de mulheres. As temáticas de abordagem então propostas foram a de construção da igualdade entre mulheres e homens e dos direitos da mulher e de sua cidadania, considerando a diversidade das mulheres nos meios urbano e rural. Foram premiados 16 projetos, totalizando um montante de R$ 988.492,56.
Também na área de audiovisual, o MinC promoverá ao longo do mês de março, sempre às sextas-feiras, a exibição de filmes de temática feminina e com diretoras mulheres. A iniciativa integra o projeto Cine Clube Ambiente Cultural, lançado pelo ministério no ano passado. As sessões serão realizadas sempre das 12h às 14h, no Auditório Ipê Amarelo, bloco sede dos ministérios da Cultura e do Meio Ambiente, na Esplanada dos Ministérios. A programação será divulgada em breve.
Programas e ações já implementados
O Ministério da Cultura tem trabalhado de modo gradativo com a promoção da igualdade de gênero. Em 2013, as mulheres ganharam destaque na reformulação da Política Nacional de Cultura Viva. Por meio de uma portaria, elas foram incluídas como beneficiárias prioritárias das ações e programas vinculados à política. Em outubro de 2014, a SCDC realizou ainda o Seminário Nacional Mulher e Cultura, em Salvador (BA), para debater ações e espaços das mulheres na cultura.
Realizado em parceria com a antiga Secretaria de Política para as Mulheres (hoje Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos), a Fundação Nacional de Artes (Funarte) lançou, em 2013 e 2014, dois editais para o Prêmio Funarte Mulheres nas Artes Visuais. Os projetos contemplados (todos propostos por mulheres) foram veiculados em exposições, mostras, oficinas, intervenções urbanas, publicações, produção crítica e documental e seminários, objetivando ampliar a geração do mercado de artes visuais no âmbito da produção feminina.
Organizada pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), a 5ª edição da Primavera dos Museus, realizada em 2011, teve como tema Mulheres, Museus e Memórias. A ação teve como objetivo abrir espaço para a indagação sobre como o gênero, a mulher e o feminino então estavam sendo pensados na contemporaneidade. A iniciativa contou com a participação de 589 instituições, que promoveram 1.779 atividades em 310 cidades de todas as regiões do País.
Durante a Copa do Mundo, em 2014, o Ibram promoveu também uma exposição multimídia no Museu da República, no Rio de Janeiro, denominada Mulheres em campo driblando preconceitos, que foi acompanhada também de oficinas, atividades educativas e debates sobre o futebol feminino.
A Fundação Casa de Rui Barbosa, vinculada ao MinC, realizou em 2013 a mesa de debates Políticas culturais de ação afirmativa: minorias sexuais, que propôs uma reflexão a respeito das políticas públicas culturais de ações afirmativas no âmbito de direitos e políticas sexuais, em contextos nacional e internacional. Em 2014, a instituição promoveu ainda o Seminário Internacional de Instituições Nefandas: a agonia da escravidão e da servidão nos Estados Unidos, Rússia e Brasil. No evento, foi realizada a mesa Gênero e abolição no Brasil, que tratou da situação das mulheres negras e brancas no contexto da abolição da escravidão.
A Fundação Cultural Palmares realizou o curso de formação Mulheres de Religiões de Matrizes Africanas, que contemplou 27 terreiros da região de Salvador, abordando temas como cultura, história e empoderamento da mulher negra, saúde, religiosidade e identidade. Em 2014, a instituição publicou o livro Onde Estaes Felicidade?, uma homenagem à escritora Carolina Maria de Jesus por seu centenário de nascimento. A obra trouxe dois textos inéditos da autora, acrescidos de ensaios críticos sobre aspectos de sua vida e obra, escritos por jovens negras da periferia da cidade de São Paulo.
Cristiane Nascimento
Assessoria de Comunicação
Ministério da Cultura