Comunicação e participação social como instrumentos de libertação

Texto de Janaina Rocha, com fotos de Janine Moraes, do Ministério da Cultura

Na diversidade das favelas e dos saberes tradicionais, novas narrativas disputam espaço nas cidades e nas universidades brasileiras. Esse foi um dos assuntos tratados na primeira mesa do segundo dia do Seminário Cultura e Desenvolvimento, que teve como tema Diversidade Cultural, Comunicação e Participação Social e como palestrantes José Jorge de Carvalho e Jailson de Souza e Silva, sendo mediada por Ivana Bentes, secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural do MinC.

O encontro apontou desafios para uma nova agenda da cultura e do desenvolvimento, em que a participação social e a comunicação são vetores dessas transformações. “Acho que é um encontro explosivo esse, das questões das favelas e das tradições. A gente ganha uma pauta potente da diversidade, decisiva nos debates democráticos, e que implica na disputa midiática e na inclusão de mundos na universidade”, afirmou Ivana Bentes.

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Após uma década da aprovação da Convenção da Unesco, pesquisadores reconhecem conquistas e lacunas dessa pactuação internacional. Para o antropólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB), José Jorge de Carvalho, os movimentos de transformação cultural, através da participação social, desenvolveram-se de forma paralela à convenção. “Esse é um movimento complexo, porque a maioria das teorias sobre a diversidade cultural foi formulada em países centrais, não surgiram inspiradas no espaço social brasileiro”, disse.

Ele reconhece que elas são importantes e “podem ser enriquecidas a partir da nossa tentativa de formular questões sensíveis ao contexto.” Sua hipótese é a de que a diversidade cultural brasileira se intensificou durantes esses dez anos. Uma prova disso é o projeto Encontro de Saberes nas Universidades Brasileiras, que ele coordena com apoio do MinC, e que derivou do I Seminário de Políticas Públicas para as Culturas Populares realizado, em Brasília, em 2005. A iniciativa do Encontro é do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI), sediado na Universidade de Brasília.

A meta do projeto é propiciar um espaço de experimentação pedagógica e epistêmica no ensino capaz de inspirar resgates de saberes e inovações que beneficiem a todos os envolvidos – estudantes, mestres e professores. Trata-se do desafio de pôr em diálogo dois mundos: o mundo acadêmico, altamente letrado e centrado exclusivamente nos saberes derivados das universidades ocidentais modernas; e o mundo dos saberes tradicionais, centrado na transmissão oral e que preserva saberes de matrizes indígenas e africanas e de outras comunidades tradicionais, acumuladas durante séculos no Brasil.

A partir de 2010, o Encontro de Saberes construiu uma Rede, formada por mestres, mediadores da cultura popular, produtores, acadêmicos e gestores de Estado. Ela se expandiu para seis universidades brasileiras e uma na Colômbia.

Mundos e paralelos

O Conjunto de Favelas da Maré, na Zona Norte do Rio, é o cerne das práticas e projetos do Observatório de Favelas, fundado e dirigido pelo geógrafo Jailson de Souza e Silva. A Maré é um agrupamento de favelas, sub-bairros com casas e conjuntos habitacionais com cerca de 140 mil habitantes.

21581171038_5caabde7d1_o-1024x683O Observatório produziu projetos como o Conexões de Saberes. Criado em 2002 com a proposta de apoiar financeiramente estudantes das periferias para produzir conhecimentos científicos e, a partir disso, intervir em seu território de origem. O programa se tornou política pública e foi assumido pelo Ministério da Educação.

“O desafio fundamental da cultura é ampliar o repertório e a criação de sistemas de convívio com o outro e, a partir disso, constituir subjetividades que também combatam opressões”, afirmou ele. Ou seja, “novas centralidades” não podem ser criadas se não houver troca e encontro entre pessoas de diferentes cantos da cidade. Para ele, a disputa é pelo direito à cidade, resinificando as favelas como parte integrante da polis.

Silva aproximou os desafios da inclusão dos saberes dos mestres à discussão sobre disputa estética das favelas. “O problema é reconhecer o que o povo faz. É a forma como a gente reconhece as artes como elemento fundante das identidades dos territórios populares”, avalia. “Quando aceito o discurso da resistência na produção artística das favelas não reconheço as novas formas de criação mas as formas de controle que nos imobilizam. Aceito que a literatura é marginal, a arte é naif e a música é brega.”

Essa perspectiva vai ao encontro dos apontamentos de Carvalho sobre a ênfase da Convenção na globalização e na sua força homogeneizadora. São mudanças de paradigma que, para Jailton, também correm fora do campo da convenção. Segundo Ivana, são desafios de novas formas orais aliados à novas formas de tecnologia que produzem outra formas de expressão. “No midiativismo, por exemplo, não se trata de se ‘informar’ no sentido jornalístico, mas efetivamente experimentar uma prática dialógica, em que a conversação entre muitos cria pensamento”.

O professor José de Carvalho foi ainda mais enfático sobre as lacunas da convenção e a “proteção” aos saberes dos mestres. Para ele, a chegada dos mestres às universidades amplia a diversidade cultural, compondo um cenário ainda mais heterogêneo.

“A chegada deles introduz dimensões e tempos que não são tomados em conta pelos que discutem diversidade nos países centrais”, explicou. “É preciso proteger a lentidão, a dimensão da oralidade, o tempo dos mestres, que é o tempo do instante, da relação face a face”, defendeu. “A temporalidade é sagrada.”

Janaina Rocha
Ministério da Cultura

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