A cultura dos “commons”, dos bens comuns, do que é de todos, de um novo “commonitarismo” emergente, um comunitarismo conectado com as redes locais e globais é a cara da Rocinha, uma favela-cidade fervilhante, tensa, mas pulsante de propostas para a cultura. Ao mesmo tempo, é nas favelas que o Brasil mostra o que tem de melhor e de mais perverso.
Duas ou três coisas sobre o Encontro de Cultura na Rocinha, que reuniu pela primeira vez os produtores culturais da Roça para um debate com o MinC, Secretaria Estadual e Secretaria Municipal de Cultura do Rio, um papo inspirador, mas papo reto.
1. Ninguém depende de política pública ali, mas o senso do público, do comum, do que deveria ser de todos é enorme. O nível de autonomia, “empreendedorismo”, “sevirismo” (de se virar) coloca de pé 90% das ações de cultura: grupos de teatro, dança, Pontos de Cultura, Pontos de Mídia como o “Fala Roça”, mapeamento cultural da Rocinha, saraus, rodas de rima. A Cultura de Rua é a face de uma comunidade que inventou espaço e “commons” para desprivatizar a rua e desprivatizar espaços públicos, como a Biblioteca Parque da Rocinha, equipamento público, mas gerido por uma empresa privada! A Rocinha quer co-gestão desses espaços.
2. A invenção social gigantesca é rapidamente “apropiada” e explorada pelos poderes fáticos: polícia e tráfico. A incrível frota de mototáxis, vans que viabilizaram o transporte dos muitos paga 50 reais por dia cada moto/van para o tráfico que por sua vez paga “arrego” para a polícia. O capitalismo é mafioso (das máfias de colarinho branco) até a máfia fardada, e nas favelas isso fica simplesmente exposto a olho nu!
3. O lindissimo Parque Ecológico da Rocinha foi “privatizado” pela UPP, onde se instalaram e viraram os “gestores”. Um lugar com uma vista deslumbrante e colado em um pedaço de Mata Atlântica, foi abandonado sem conclusão das obras (gestão Cabral). Tudo é ruína antes mesmo da sua inauguração!
4. O cartão de visitas do lindo Parque: o container da UPP onde torturaram Amarildo, as instalações da UPP também estão em ruinas. E as ações de recreação, esporte, cultura (o lindo anfiteatro) são geridas e autorizadas pela polícia! Polícia não pode gerir equipamento público de lazer, esporte, cultura!
5. A cultura é uma das poucas forças que coloca isso tudo em xeque e de ponta cabeça onde chega, pois tem que criar “commons”, bem comum, precisa de política cultural pública, infra-estrutura coletiva, e tira dali, do meio das forças mais hostis, seu impulso e ânimo de invenção! Não é pouco não!
Ivana Bentes
Secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural
Ministério da Cultura